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Jornada do herói

São 17 os estágios que compõem a estrutura narrativa do percurso de um herói desde seu desafio inicial até a resolução desse arco dramático. Elas podem ser resumidas em três atos: Partida, iniciação e retorno. Em torno dessa formulação apresentada por Campbell em “O herói de mil faces” publicado em 1949, encontrei um número sem fim de variações adaptadas por diferentes ministrantes de cursos sobre roteiros para documentário – todos americanos, vale dizer. Quando senti que um filme palpitava no coração e porque não tive uma formação em Cinema, embarquei em alguns desses cursos, embora tenha sempre os abandonado pela metade. Parecia não haver escapatória: um bom roteiro em todas essas aulas consistia na distorção de uma história até que ela perca toda sua singularidade e possa ser encaixada nessa formulação épica, masculina e desalmada. Por sorte, minha covardia e tendencia a evitar o conflito estava protegida pela assincronicidade dos encontros online, mas minha cabeça ruminava um diálogo entre mim e o professor, que seria mais ou menos assim: 


- Qual é a jornada do herói no seu filme?
- Ele nasceu, está vivo e faz coisas. Essas coisas têm consequências pra si e pros outros. Isso traz ansiedade, angústia, desencontros, mas também a possibilidade de novos encontros e algumas alegrias. Ele gosta muito de falar em público, organizar reuniões políticas e receber pessoas pra tomar um cafezinho na sua casa, por exemplo. De perto ele é sobrevivente, herói e algoz. 
- Certo. Mas como colocar essas características em um percurso de superação? Quer dizer, qual é o arco dramático? 
- De verdade, de verdade nada se resolve e ninguém supera nada. O desafio parece ser entender como trajetórias de vida coexistem e se imbricam e que consequências isso tem pra como habitamos o planeta. 
- Isso não vende!
- Por fim concordamos.
- Vamos falar de recursos de linguagem, então. Pelo que você falou, parece que seu filme vai ter bastante tempo morto, então?
- Eu não acredito em tempo morto. Tem muita coisa acontecendo mesmo quando nada parece estar acontecendo, é uma questão de mudar o olhar pra ver.
- Tempo morto, aquele período de tempo que se mantém depois que a cena termina...
- Esse mesmo, é que acredito que isso é cena também. O “depois” da ação ainda é ação, ainda está sendo vivida pela personagem. A suspensão do tempo ainda é uma forma de mover o tempo. Acompanhar o tempo vivido pelo outro requer pensar sobre nossa própria visão de tempo.
- Você não acha que está aqui perdendo tempo?
- Perder traz a possibilidade de encontrar.

 

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